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TEOLOGIA NA DITADURA: UM CHUTE NO EVANGELHO

09/01/2017 10:46

         O governo militar no Brasil, instituído por meio de um golpe de estado em 1964, é um dos temas mais estudados e criticados até hoje por diversos setores da sociedade. Alguns religiosos tiveram uma participação significativa na oposição aos militares, entretanto, no seguimento protestante, ouve uma inversão de valores, pois muitas lideranças se colocaram em posição de apoio ao regime, algumas inclusive entendiam ser o propósito de Deus para libertar a nação da ameaça comunista.

 

         De modo geral, grande parte do protestantismo brasileiro apoiou a ditadura militar, promovendo com isso uma ditadura religiosa dentro do próprio regime, pois similarizavam em seus governos eclesiais à forma de governo de domínio político imposta pelos militares. Ademais, boa parte das igrejas protestantes eram atraídas pela oferta de proteção, concessões e até mesmo cargos políticos (Freston, 1994). Dessa forma, os protestantes que se alinhavam a esquerda, sofriam com as ameaças daquilo que foi chamado de Aparelho repressivo do estado, consistente de torturas, violência física e psicológica, como também das atitudes de lideranças que, alinhadas ao governo, delatavam fiéis e outros lideres que se mostrassem contrários ao regime.

 

         Na IPB, por exemplo, segundo relata o Rev. João Dias de Araujo, houve uma espécie de inquisitorialismo, pois a cúpula da denominação, em apoio ao governo, promovia uma severa perseguição a membros, seminaristas, presbíteros e pastores que se envolvessem com questões ditas de esquerda ou de caráter ecumênico, posto que a Teologia da Libertação, católica, se opunha a ditadura. Dessa forma, foi proibida a participação de padres nos púlpitos presbiterianos, e até mesmo a participação de membros da IPB como testemunhas de casamentos realizados pala igreja católica. Ainda menciona que juristas presbiterianos colaboraram na confecção de alguns atos institucionais a favor da ditadura.

 

         Ruben Alves, pastor presbiteriano e um dos maiores teólogos do Brasil, foi acusado pela IPB como subversivo, se retirando do ministério por meio de uma carta na qual faz menção ao modus operandi da denominação. Sua carta foi marcada pelas palavras: “Sempre entendi que o evangelho é um chamado a liberdade... não encontro a liberdade na IPB. É hora portanto de buscar a comunidade do Espírito fora dela”.

 

         Esse comportamento não ficou restrito a IPB. Gedeon Alencar faz menção em Protestantismo Tupiniquim (pág. 95) que um famoso líder Batista, prestou apoio a ditadura militar por conveniência da concessão de um programa de TV. Em se tratando de batistas, o Pr. Roberto Pontuschka tem sido apontado como insuperável na obediência ao regime, posto que promovia torturas a noite e distribuía o NT durante o dia nas celas. Leonildo S. Dias, teólogo, era seminarista na época e esteve preso por dez dias na OBAN, em 1969 e relata as ações do Pr. Roberto (capelão do exercito), que uma vez indagado se não tinha vergonha de torturar e evangelizar, apontou para uma pistola embaixo do paletó e disse: “Para os que desejam se converter eu tenho a palavra de Deus. Para quem não quiser há outras alternativas”.

 

         O Jornal Batista, da CBB, publicou durante a ditadura, principalmente na década de 60, vários artigos em apoio ao regime militar, e criticas aos que se mostravam contrários, taxados de subversivos, comunistas, entre outros, como por exemplo:

 

·        Artigo de 26/04/64 -  “Novo governo”. Fala da vitoria do movimento de 64, destaca a eleição indireta do Marechal Castelo Branco, faz várias menções quanto a rejeição batista ao comunismo e outros ismos perigosos.

 

·        Reportagem de 06/09/64 -  relata uma homenagem ao Gal. Humberto Melo (batista), presidida pelo Dr. Ebenezer Cavalcanti, pastor da I. B. Dois de Julho (Salvador), que contou com a presença de varias autoridades. Humberto Melo era um linha dura que apoiara com entusiasmo as famigeradas forças de segurança. Sob ele suportava a pior repressão.

 

·        Artigo de 26/05/68 – “Que está havendo com os Metodistas?”. Critica ao convite feito para que Don Helder Câmara fosse paraninfo de uma turma de pastores, posto que naquele momento já representava uma oposição crescente ao regime militar. O artigo tem um tom como de conclamação a que se volte ao “verdadeiro evangelho”, que é favorável ao governo. 

 

         Contudo, os metodistas também não passaram ilesos quanto ao que se diz apoio ditadura.  José Sucasas Jr. E Isaias Sucasas, pastor e bispo metodistas já falecidos, possuíam inclusive carteirinhas de informantes do DOPS. Foram, inclusive, responsáveis pela prisão, que levou à tortura de Anivaldo Pereira Padilha, metodista e estudante à época, que é pai do ministro da saúde Alexandre Padilha.

 

         Acreditava-se, entre os protestantes históricos e pentecostais, que o movimento de1964 iria salvar o país da presença incomoda dos comunistas – contrários a família e, principalmente, ao cristianismo. Alegavam ser o comunismo, além de sistema político, uma filosofia que se opunha a todo e qualquer sistema religioso.     

 

         De um modo geral, pregar o discurso de salvação das almas que passe pela ética e preocupação social, era algo que levantava a suspeita e investigação do sistema repressor. Dessa forma, grande parte das lideranças eclesiais evangélicas optou, ou por apoiar o regime, ou por dilapidar o discurso teológico, restringindo-o somente ao caráter espiritual de salvação. Se trata de uma mancha na historia evangélica desse pais, que convidava a repressão a entrar na igreja e perseguir os fiéis. Nesse sentido, ficamos muito aquém da igreja católica e sua Teologia da Libertação, que por meio de uma militância eclesiástica atuante, na figura de vários clérigos e sacerdotes – Frei Beto, Frei Tito, Don Helder Câmara, entre outros – se opuseram a opressão. Visaram sempre o bem estar das pessoas, principalmente os pobres, que deveriam ser sempre os  reais beneficiários das ações da igreja, e também do governo.

 

         Esse comportamento confirma a posição de que, no momento que a igreja passou a lutar por transformações sociais e políticas, não esquecendo seu lado cristão, os fiéis foram rotulados de deturpadores da missão da igreja, de comunistas. Não obstante, os que mantivessem a postura de compactuar com os poderosos, seriam considerados verdadeiros cristãos.

 

 

BIBLIOGRAFIA

ARAUJO, João Dias. Inquisição sem fogueiras. São Paulo: Instituto Superior de Estudos da Religião, 1985.

ALENCAR, Gedeon Freire. Protestantismo tupiniquim: hipótese da (não) contribuição evangélica à cultura brasileira. São Paulo: Arte Editorial, 2005.

JORNAL BATISTA. Novo governo. Rio de Janeiro, 26 abr. 1964, pag. 03.

JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro, 6 de set. 1964, pag. 06.

JORNAL BATISTA. Que está havendo com os Metodistas?  Rio de Janeiro, 26 maio 1968, pag. 03.

CÂMARA, Helder. O deserto fértil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

REVISTA ISTO É. Ed. 2170. 10 jun. 2011.

 

  

 

 

 

 

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